Embarquei em Miami às 8h25 da manhã (9h25 no Brasil) e, como não havia dormido nada durante as mais de sete horas do vôo anterior, logo apaguei.
Abri os olhos ao sentir uma sacudida mais forte do avião. Ao olhar pela janela, surpreendi-me com o céu terrivelmente acizentado e com os constantes relâmpagos que pareciam surgir a poucos metros do aparelho. Nesse instante, a voz do capitão soou na cabine:
– Aqui é o comandante Bradley. Fomos informados pela torre de Los Angeles que as condições meteorlógicas são das piores possíveis neste trecho. Tentaremos evitar qualquer desconforto, mas é bastante provável que a forte turbulência seja difícil de ser contornada. Peço que mantenham os cintos afivelados.
Gelei. Nunca ouvira um piloto falar desta maneira com os passageiros. Infelizmente, logo vi que ele tinha razão: o avião começou a sacudir de maneira pavorosa enquanto o som alto dos trovões parecia prestes a romper a janela. Segurei o braço da poltrona com força e, neste instante, um passageiro que se encontrava na fila ao lado foi arremessado para fora de seu assento justamente por não seguir as ordens de afivelar o cinto. A agitação ao meu lado era visível; todos pareciam amedrontados. Olhei para fora mais uma vez e, surgindo de repente no meio das nuvens, uma montanha pareceu passar a apenas alguns centímetros da asa do avião.
Estávamos bem mais baixo do que eu imaginava.
Como o tremor não parecia ceder, comecei a me preparar para o pior – e este não demorou a ocorrer: subitamente, o aparelho virou de lado e pareceu despencar em direção a outra montanha. Senti um frio terrível na barriga e percebi que iria morrer. Fechei os olhos para não testemunhar o impacto.
E acordei assustado e confuso em minha poltrona.
Depois de alguns breves e tensos segundos, percebi que havia tido um pesadelo – mas, a partir daí, o restante da viagem foi tomado por sobressaltos e pensamentos negativos, embora o céu absolutamente azul e a absoluta ausência de turbulência fossem óbvios. Finalmente, o comandante (cujo nome desconheço) anunciou que estávamos prestes a pousar em Los Angeles. Olhei para fora e tive a impressão de que pousaríamos em Brasília, já que a cidade se estendia em uma longa planície à minha esquerda. Imediatamente senti uma certa decepção ao comparar a experiência ao pouso em Nova York, há cerca de dois anos: naquela ocasião, a visão de Manhattan me fizera perder o fôlego, ao passo que Los Angeles parecia decepcionante em contraste. Ao longe, vi o globo da Universal erguendo-se sobre os prédios que se encontravam ao seu lado, mas nada que me levasse a constatar estar na capital mundial do Cinema.
Depois de pegar a mala, saí do aeroporto e me ofereceram um táxi: ciente de que a corrida daria mais de 50 dólares, recusei a oferta e me dirigi ao local em que um sujeito anunciava uma van (ou "shuttle") por 15 dólares: expliquei que queria ir para West Hollywood e logo estava a caminho, dividindo o banco traseiro com apenas mais um passageiro, um jovem asiático. Na "freeway" que liga as várias regiões de Los Angeles (também neste sentido a cidade lembra Brasília; mas em vez de superquadras, há verdadeiros distritos), notei a mesma ausência de qualquer carro pequeno sobre a qual escrevera durante minha viagem a Nova York: para os norte-americanos, apenas os carros grandes, pouco práticos e imensos consumidores de gasolina parecem servir.
Ainda decepcionado pela paisagem comum, tive uma pequena amostra da história de Los Angeles ao ler uma placa que dizia "Howard Hughes Parkway", já que somente uma cidade como esta poderia homenagear uma figura como Hughes. Ao mesmo tempo, comecei a perceber a abundância (já esperada) de gigantescos anúncios de diversos filmes enfeitando fachadas inteiras de prédios enormes: de Funny People a Força G, passando por G.I. Joe e Harry Potter, as propagandas dos grandes lançamentos pareciam dominar a cidade.
Minha sorte começou a mudar graças ao rapaz ao meu lado: ele estava indo para a UCLA e, com isso, ganhei uma visita ao campus da Universidade. Imediatamente, as imagens de belas e alegres jovens usando shorts mínimos (Los Angeles está mergulhada em calor) passaram a surgir na janela. Estranhei toda aquela agitação, já que o período do verão norte-americano é o de férias, mas logo entendi o que estava ocorrendo quando deixamos o garoto ao lado de uma tenda que dizia: "Arts Camp". Aparentemente, tratava-se de alguma atividade extra-curricular que envolvia coisas como "Acting for the Camera", "Advanced Digital Film", entre outras coisas.
Ao nos dirigirmos para fora do campus, passamos por um imenso campo de futebol no qual dezenas de garotas ensaiavam danças de líderes de torcida.
Só então lembrei-me de ligar minha máquina fotográfica, mas já sem tempo para registrar a imagem. Damn.
Até então, minha imagem de Los Angeles era a de uma cidade habitada apenas por milionários; uma imensa Beverly Hills. No entanto, o que eu via pela janela não correspondia exatamente a esta idéia. Lembrei-me das imensas mansões do bairro Mangabeiras, em Belo Horizonte, ou daquelas ficam ao redor da Lagoa da Pampulha e pensei que em nada deviam àquelas casas que eu via no caminho.
E foi então que entramos na Sunset Boulevard e, pouco depois, em Beverly Hills.
A cada duas esquinas, uma pequena placa anunciava a venda de mapas que indicavam a localização das casas das "estrelas" – e não duvidei que cada uma daquelas mega-mansões realmente abrigasse um Tom Cruise ou um Will Smith. De repente, os milionários do Mangabeiras me pareceram pobretões patéticos. (E eu, claro, me tornei um sem-teto.)
À medida que mergulhávamos em Beverly Hills, eu me sentia mais e mais como Eddie Murphy em Um Tira da Pesada, quando a câmera em ângulo baixo revelava sua reação ao cruzar as ruas da cidade pela primeira vez – e a impressão só se tornou mais forte quando passei a reparar nos carros displicentemente parados nas entradas daquelas casas (em uma delas, vi nada menos do que uma Ferrari e duas BMW e a frase "Não estamos mais no Kansas, Totó" me passou pela mente). Mais adiante, três crianças corriam umas atrás das outras em um belo gramado – uma cena que poderia parecer natural caso elas não estivessem correndo em Segways e não a pé.
Já os turistas fazendo poses diante de um imponente edifício que exibia uma bela torre em nada me espantou; isto é, até o instante em que li os letreiros que identificavam aquele "ponto turístico" como sendo o Departamento de Polícia da cidade. Tentei imaginar alguém tirando fotos diante de uma delegacia brasileira, mas logo desisti: era absurdo demais.
Finalmente cheguei ao hotel e, por coincidência, meu colega Jeffrey Wells, do site Hollywood-Elsewhere, acabava de entrar. Informado de que os quartos estavam sendo arrumados e só seriam liberados em duas horas, senti um certo desânimo, mas foi então que Jeffrey, que morou em Los Angeles por mais de 20 anos (atualmente está em Nova York), me convidou para conhecer a cidade, já que alugara um carro. Primeiro, fomos à loja de DVDs e Blu-Rays Laser Blazer, que me impressionou pela diversidade do catálogo. Em seguida, Jeffrey fez uma verdadeira tour que passou pelos principais bairros e distritos que compõem Los Angeles – e de pontos turísticos óbvios a detalhes como a casa em que Marilyn Monroe morreu, vi em poucas horas muito mais do que imaginei que veria durante toda a viagem. Além disso, apaixonei-me pelo cinema de rua que exibia, em sua fachada antiga, o anúncio de que exibiria, em 70mm, Tempo de Diversão e Baraka, além de diversas outras atrações em panfletos despretensiosos afixados na bilheteria.
Depois de passarmos pela aconchegante livraria "Book Soup" (8818 Sunset Blvd – West Hollywood), onde acabei comprando três livros, voltamos ao hotel – e foi aí que descobri que a tomada do carregador do notebook não encaixaria nas entradas do quarto. Assim, decidi caminhar até o shopping Beverly Center para comprar um adaptador, divertindo-me, no trajeto, com a nada envergonhada loja de lingerie que anuncia, com orgulho, vender peças "trashy". Reparei, também, que a aparência de prosperidade da cidade não parece ter resistido à crise econômica, já que, por todos os lados, lojas anunciavam seus fechamentos e imóveis traziam anúncios de "aluga-se".
Mais uma vez de volta ao hotel, fiz um videocast ao vivo e, depois de um longo banho, fui comer algo com meu amigo Josh Ralske.
E assim encerrei o primeiro dia em Los Angeles.