"A pessoa que fuma sabe que o cigarro vai fazer
mal, mas continua assim mesmo. Depois, adoece e mesmo assim continua fumando.
Assim, é uma pessoa sem Deus. Sabe que Ele está ali, mas não o procura." – pastor José Serra, em encontro no último fim-de-semana com pastores evangélicos em Camboriú, Santa Catarina, quando foi saudado por estes como "futuro presidente".
Em um evento que contou com 540 mil reais gentilmente fornecidos pelo governo tucano do estado e pela prefeitura tucana da cidade.
A propósito: Serra conseguiu, com esta frase, aumentar meu repúdio à sua candidatura em 100% – algo que eu julgava ser impossível a esta altura do campeonato. Comparar alguém que "não procura Deus" a um fumante em busca de câncer? Genial.
Update: A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) divulgou uma nota perfeita sobre a declaração de Serra, lembrando, inclusive, que o Brasil que o ex-prefeito e ex-governador (abriu mão de ambas as gestões) pretende governar é um Estado laico.
"A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) vem a público
protestar contra a declaração do pré-candidato José Serra que compara
ateus a fumantes. Ao participar de evento religioso em Santa Catarina, o
ex-governador afirmou que "a pessoa que fuma sabe que o cigarro vai
fazer mal, mas continua assim mesmo. Depois, adoece e mesmo assim
continua fumando. Assim é uma pessoa sem Deus. Sabe que Ele está ali,
mas não o procura." A manifestação de Serra é infeliz e inapropriada em
diversos níveis.
Em primeiro lugar, a frase revela desinformação,
pois ao contrário do que Serra imagina, os ateus não "sabem" que o deus
do monoteísmo ocidental "está ali": somos ateus precisamente porque
analisamos as evidências e argumentos em favor de sua existência, e
entendemos que eles não se sustentam. Afirmar que em verdade somos
teístas é zombar de nossas convicções pessoais que resultaram de análise
profunda e cuidadosa. Significa menosprezar quem somos e como nos
definimos, negando a própria existência dos ateus.
A frase ainda é
insultuosa porque iguala uma convicção filosófica a uma doença. Para
Serra, não apenas somos incompetentes e contraditórios como ateus, mas
somos como doentes: indivíduos que precisam de tratamento e de leis que
protejam os demais contra a influência perniciosa de nossas atividades.
Por
fim, a declaração também é preconceituosa por fazer uma generalização
negativa que atinge rigorosamente a todos os ateus e avilta o caráter
laico da república que ele pretende governar. Se ganhar a eleição, Serra
será presidente tanto de teístas como de ateus e agnósticos, e não
parece haver nele qualquer disposição de reconhecer ateus e agnósticos
em pé de igualdade com seus compatriotas teístas. Aparentemente, seremos
cidadãos de segunda categoria, nada mais do que teístas envergonhados e
birrentos.
A afirmação de Serra não apenas denigre a todos os
ateus. Recebemos a rejeição absoluta que é a negação de nossa própria
existência. Esse tipo de comportamento é inadmissível em qualquer
cidadão civilizado, quanto mais de um pretendente ao cargo mais alto da
nação. O contexto sugere que Serra teria feito esse tipo de declaração
para satisfazer uma plateia que ele aparentemente imaginava ser tão
preconceituosa quanto ele, o que é ainda mais embaraçoso.
A Atea é
uma associação civil sem fins lucrativos com mais de mil membros que
tem entre seus objetivos a luta contra o
preconceito e a desinformação a respeito do ateísmo e do agnosticismo,
dos ateus e dos agnósticos. O IBGE se recusa a divulgar dados referentes
ao ateísmo no país, mas de acordo com diversas pesquisas particulares,
sabe-se que representamos aproximadamente de 2% da população, ou cerca
de 4 milhões de brasileiros. A declaração de Serra exige reparo amplo e
imediato em respeito a esses milhões de ateus brasileiros e às centenas
de milhões de ateus no mundo."
Update 2: A RBS, que originalmente havia noticiado a fala de Serra, agora corrige a matéria dizendo que ele não fez uma comparação direta entre ateus e fumantes. Ótimo. Isso não muda o fato dele ter aberto mão de participar dos eventos de Primeiro de Maio, apesar de convidado pela Força Sindical, e de ter preferido ir puxar o saco dos pastores evangélicos em um evento patrocinado pelo PSDB.