Depois de ler, pela milésima vez, alguém dizer em um fórum de discussão que O Poderoso Chefão 3 é "ruim", acabei me sentindo compelido a desabafar e a fazer um veemente protesto contra esta afirmação que se transformou em lugar-comum e que é terrivelmente equivocada.
Assim, copio aqui o que publiquei no tópico em questão, na comunidade da SET no Orkut:
"É um saco, isso: toda vez que falam da trilogia O Poderoso Chefao,
alguém tem que dizer que o terceiro é ruim. E desculpem se agora vou
escrever sem o cuidado habitual, mas estou deixando a "revolta"
extravasar sem estrutura ou cuidados maiores com a qualidade do texto.
Pois
OPC3 não é um filme medíocre. Ao contrário, é fantástico, com uma trama
absurdamente corajosa que envolve um dos maiores podres da Igreja
Católica: a morte mais do que suspeita de João XXIII João Paulo I (João XXIII foi outro papa fantástico). E é fascinante
perceber como cabe aos Corleone defender o papa mais humano que a
Igreja produziu – e que por isso mesmo passou a ser odiado por seus
colegas.
Mas não é só isso: sem a terceira parte, o arco
dramático de Michael Corleone ficaria incompleto – e perceber como os
sacrifícios que fez pelo pai viriam a transformá-lo de sujeito
humanista a monstro é algo tocante, trágico. Da mesma forma, ao
percebermos como Vincenzo se revela um amálgama de Michael, Sonny e
Fredo, com um toque de estrategista digno de Vito, constatamos a
riqueza do personagem.
Agora… sim, é fato que Sofia Coppola é
péssima atriz. Inegável. Mas também é verdade que sua atuação não é
determinante para o sucesso do filme; ela importa apenas como
provocadora das reações de Vincenzo e Michael.
Além disso, sua
personagem é fundamental para completar a riqueza temática da trilogia,
que estabelece uma grande metáfora sobre os próprios Estados Unidos – e
a trajetória da Família Corleone reflete, em muitos aspectos, a
política norte-americana e sua posição diante do resto do mundo ao
longo dos anos, desde sua promessa de futuro para imigrantes
desesperados até a tragédia do Vietnã, passando pela Grande Depressão,
a Segunda Guerra e a relação conturbada com Cuba e o Comunismo.
O que nos traz a Mary Corleone. Pela primeira vez, depois de décadas
atacando seus inimigos, estabelecendo a regra do jogo e apresentando-se
como líderes das 5 Famílias (não é à toa que Michael mata todos os
rivais para estabelecer-se), o que acontece no terceiro filme?
Alguém
da família Corleone é morto. Um civil. E isso abala muito mais o grande
e indestrutível Michael do que qualquer outra coisa poderia fazer. Ao
assassinar, mesmo que equivocadamente, alguém da "população civil", os
rivais dos Corleone finalmente levam a guerra para dentro da Família,
provocando a queda definitiva de Michael, que jamais se recupera.
Ora… que evento similar da história norte-americana poderia ser evocado a partir deste incidente?
O 11 de Setembro.
Não
estou dizendo, obviamente, que Puzo e Coppola eram "profetas". Digo
apenas que a inteligência da dupla é tamanha que previram, neste filme,
algo que seria inevitável: com a crescente interferência
norte-americana em questões internas de outros países, é claro que mais
cedo ou mais tarde os próprios EUA experimentariam ataques em seu solo
e que sangue civil seria derramado.
E a morte de Mary é a
referência a isso. Uma referência que se provaria acurada 12 anos
depois, fechando com perfeição a forma com que a trilogia retrata um
século da política e da sociedade norte-americana.
Chamar "O
Poderoso Chefão 3" de "fraco" é demonstrar incapacidade de compreender
sua complexidade temática, sua discussão política, sua coragem temática
ao explorar a corrupção da Igreja Católica e, principalmente, seu
brilhantismo narrativo ao amarrar, com todo o cuidado, os arcos
dramáticos de todos aqueles personagens."